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Dívida histórica: como Portugal pode reparar crimes coloniais?

Discurso de Marcelo Rebelo de Sousa foi a primeira vez que um presidente de Portugal reconheceu a responsabilidade de forma mais contundente, apesar de posição não ser compartilhada pelo conselho de ministros do governo português

Especialistas indicam uma série de medidas e caminhos que deveriam ser tomados pelo Estado português  e brasileiro  para reparar crimes cometidos contra africanos, indígenas e descendentes.

Especialistas indicam uma série de medidas e caminhos que deveriam ser tomados pelo Estado português e brasileiro para reparar crimes cometidos contra africanos, indígenas e descendentes. - Reprodução/Navio negreiro - Tela de Johann Moritz Rugendas (1830)

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Durante a semana, o discurso do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, sobre a responsabilidade do país pela escravidão no Brasil repercutiu em diferentes setores da sociedade nos dois lados do Atlântico.

Entidades civis de defesa de direitos humanos, acadêmicos e autoridades políticas receberam positivamente o discurso, mas cobraram um projeto concreto de reparação pelo conjunto de crimes e violações cometidos durante o processo de colonização.

Foi a primeira vez que um presidente de Portugal reconheceu a responsabilidade de forma mais contundente, apesar de a posição não ser compartilhada pelo conselho de ministros do governo português.

“Temos que pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isso”, disse Marcelo Rebelo de Sousa.

E como quantificar exatamente “custos” e prejuízos causados por um sistema de exploração e opressão que durou séculos? Seria possível chegar a um valor em dinheiro? Ou faria mais sentido falar em compensações políticas, sociais, culturais?

Especialistas ouvidos pela Agência Brasil indicam uma série de medidas e caminhos que deveriam ser tomados pelo Estado português – e brasileiro – para reparar crimes cometidos contra africanos, indígenas e descendentes.

Formas de reparação

Naiara Leite, coordenadora-executiva do Odara – Instituto da Mulher Negra, participou do Fórum de Afrodescendentes na Organizaçãod as Nações Unidas (ONU), em Genebra, uma semana antes da declaração do presidente português.

Na ocasião, representantes de Portugal discursaram contra o racismo, mas foram criticados por entidades brasileiras de mulheres negras, que cobraram posicionamento mais contundente sobre responsabilidade pela escravidão e propostas de reparação.

Com a nova declaração portuguesa, Naiara alerta para a necessidade de incluir os principais prejudicados entre aqueles que vão construir as medidas de reparação. Isso para que elas não sejam atos isolados de políticos.

“Minha grande preocupação é que as organizações da sociedade civil precisam ter uma participação ativa nos grupos de trabalho e nos processos. Caso contrário, não vamos alcançar um projeto de reparação que de fato dê conta de reduzir ou de responder aos impactos do colonialismo e da escravidão”, diz Naiara.

No evento da ONU, as entidades apresentaram demandas sobre o que entendem ser caminhos adequados para o Estado português:

  • Criação de museus, centros de memórias e outros equipamentos públicos que reconheçam os impactos da colonização sobre a população afro-brasileira;
     
  • Incluir no currículo oficial da Rede de Ensino portuguesa a obrigatoriedade da temática “História dos Impactos Nocivos do Colonialismo Português para o Contexto Brasileiro”;
     
  • Firmar pactos e acordos de colaboração efetivos com o Brasil - bem como junto a outros países que foram colonizados por Portugal - com o objetivo de promover a reparação a partir de investimentos financeiros, da salvaguarda de memórias e de revisão dos pactos e parcerias de nacionalidade e trânsito entre os países;
     
  • Encorajar todos os países da Europa fundados a partir de sistemas coloniais a adotar medidas reparatórias aos países do Sul Global que se fundaram a partir da exploração colonial;
     
  • Adotar medidas efetivas de combate à xenofobia e ao racismo contra a população afrodescendente em Portugal.

Humberto Adami, que é presidente da Comissão da Verdade da Escravidão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RJ), destacou o aspecto financeiro da reparação.

Ele entende que seria importante a criação de um fundo em dinheiro, com aplicações de todos os Estados responsáveis pela escravidão. Um possível modelo seria aquele constituído para os judeus depois do Holocausto.

Mas a demanda é complexa e, provavelmente, ainda levaria um tempo para acontecer. Por isso, são necessárias ações imediatas.

“É complicado levantar esse dinheiro de forma rápida. Não precisa esperar só a constituição de um fundo e falar em reparação daqui a duas gerações. Pode trabalhar para já alcançar pessoas que estão vivas hoje. Uma forma inicial é fazer pequenas reparações que possam ir mitigando os efeitos devastadores da escravidão negra na sociedade brasileira de hoje.

Há várias pautas que apontam nessa direção: a demarcação de terras quilombolas, a questão dos indígenas, as cotas raciais. Todas são medidas reparatórias. Portugal pode atuar em conjunto com o Brasil nessas medidas que já estão em andamento”, diz Adami.

“Custos” da escravidão

Diferentes nações europeias participaram de processos de colonização e escravização, mas quando se fala do tráfico transatlântico de africanos é impossível não destacar a atuação de Portugal.

Foi a primeira nação europeia moderna a se apossar de um território africano: Ceuta, no norte do continente, em 1425.

Nas décadas seguintes, criou entrepostos na parte Atlântica da África, conhecidas como feitorias, de onde podiam ser organizadas expedições para o interior em busca de bens de valor, como metais preciosos e pessoas.

Acredita-se que a primeira remessa de escravizados para Portugal tenha ocorrido no ano de 1441, quando eram obrigados a fazer trabalhos pesados de agricultura ou mineração. A demanda de trabalhadores forçados aumenta com o estabelecimento de engenhos de açúcar nas ilhas Atlânticas.

Com a conquista de um vasto território na América, nativos indígenas e africanos vão se constituindo como principal mão de obra. Uma das estimativas de pesquisadores indica que foram trazidos pelo menos 5,8 milhões de africanos escravizados para colônia brasileira entre os séculos 16 e 19.

Essas pessoas poderiam ser capturadas diretamente à força no continente ou obtidas por meio de negociações com líderes locais. Prisioneiros de guerras entre povos rivais viravam mercadorias de troca por cavalos, armas e outros bens.

É nesse ponto que se tornou comum ouvir de revisionistas e grupos de extrema direita que a África é igualmente responsável pela escravidão. Quem não se lembra da frase “o português nem pisava na África, eram os negros que entregavam os escravos”, dita pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro?

A historiadora Monica Lima, que é professora de história da África e coordenadora do Laboratório de Estudos Africanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEÁFRICA-UFRJ), explica que essa é uma falsa equivalência.

Apesar de praticada anteriormente por alguns povos do continente africano, a escravização foi multiplicada pela demanda e investimento europeus.

“Alguns africanos enriqueceram com o tráfico de escravizados, mas foi algo efêmero, de curta duração, ligado a soberanos de determinados locais. Que podiam ser destituídos e se tornar escravizados na sequência. Não há enriquecimento da sociedade africana. Povos foram dizimados e laços familiares rompidos.

Por outro lado, há todo um enriquecimento de setores importantes das sociedades europeias e das elites coloniais, que é algo perpétuo, transferido para gerações seguintes. Não é nem possível comparar o tipo de enriquecimento dos grandes traficantes situados no continente europeu ou nas Américas”, diz Monica.

Um outro argumento muito usado é o da ausência de responsabilidades atuais, já que a escravidão teria sido um fenômeno que aconteceu há muito tempo e que não teria mais relação com o presente.

"Há pessoas que falam que a escravidão negra era legal naquela época, que as pessoas escravizadas já morreram e umas que questionam o que elas têm a ver com isso hoje, se elas não escravizaram ninguém. E o curioso é que esses argumentos coincidem com os das pessoas que eram contrárias à abolição da escravidão no século 19. Que pediam para a escravidão continuar mais um pouco, porque era interessante para a cultura da cana-de-açúcar, que ia quebrar o Banco do Brasil, etc.”, destaca Humberto Adami.

“As pessoas precisam entender que os tratados internacionais garantem não ter havido prescrição. O relógio está valendo até hoje. Os crimes da história da escravidão são imprescritíveis.”

“A base da prosperidade e da riqueza que permitiu a construção dos Estado nacionais foi o trabalho dessas populações escravizadas. A dívida é enorme. As pessoas foram desprovidas de tudo, foram arrancadas das suas terras e, uma vez abolida a escravidão, escravizados, e descendentes não foram beneficiados por nenhum tipo de política para reconstruir as suas vidas”, diz Monica Lima.

“Hoje, nas regiões onde não tem saneamento básico, escolas com piores condições, transporte público sucateado, são justamente as regiões onde vivem majoritariamente descendentes de escravizadas”.

Para Naiara Leite, um dos principais legados da escravidão é o racismo, que atinge com mais intensidade as mulheres negras, que ocupam a base da pirâmide social.

“Um dos impactos até hoje tem relação com a violência do Estado e como o racismo opera nas instituições de segurança pública. É em função dessa carga colonial que a população negra sequer tem direito à vida”, diz Naiara Leite.

“Pensando na violência doméstica, o número de feminicídios de mulheres brancas diminui ao longo dos anos e o de mulheres negras aumenta. Outro exemplo é a pauta do trabalho, em que mulheres negras são maioria nas atividades domésticas. E isso é um legado colonial sobre nossos corpos e os lugares que ocupamos. Uma reatualização do papel da mucama”, diz Naiara.

Responsabilidade brasileira

Ao analisar responsabilidades pela escravidão, é importante lembrar que o sistema continuou presente no Brasil depois de separar-se de Portugal em 1822. E que, como Estado independente, o sistema durou até 1888, quando foi o último lugar nas Américas a decretar a abolição.

A fala do presidente português durante a semana pode servir, portanto, de referência para que o próprio Estado brasileiro intensifique as medidas de reparação para comunidades e instituições afrodescendentes, dizem os especialistas.

“É preciso que o Brasil avance nessa etapa também, porque os negros brasileiros sofrem no dia a dia as repercussões da escravidão. Não dá para achar que só Portugal é responsável, se aqui não se faz o dever de casa e continuamos praticando o genocídio da população negra, a exclusão social, o racismo no mercado de trabalho, ataques e fraudes às cotas raciais”, diz Humberto Adami.

“O governo de Portugal, do Brasil e de outros países que venham a reconhecer a escravização e o papel no processo de colonização devem compreender que não estão fazendo nenhum favor ao povo negro, aos afrodescendentes, às populações africanas. Isso é um dever, uma obrigação. O primeiro o é o reconhecimento. Mas que a gente não leve mais anos ou séculos para que os países apresentem qual é o projeto de reparação”, cobra Naiara Leite.

“Reparação também envolve investir na qualidade de vida das pessoas. Isso é pagar uma dívida histórica. Não é nenhum privilégio. É uma reparação e uma possibilidade da sociedade brasileira se reconciliar com a sua própria história”, diz Monica Lima.

 

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DEMOCRACIA

STF inicia 2º dia de interrogatórios do núcleo 1 da trama golpista

Depoimentos serão por ordem alfabética e o ex-presidente Jair Bolsonaro é o quarto nesta lista e possivelmente não será interrogado hoje

10/06/2025 07h24

No primeiro dia, a maior parte do tempo foi dedicada ao depoimento do coronel Mauro Cid, delator da suposta tentativa de golpe

No primeiro dia, a maior parte do tempo foi dedicada ao depoimento do coronel Mauro Cid, delator da suposta tentativa de golpe

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O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira (10), às 9h, o segundo dia de interrogatórios dos réus do núcleo 1 da trama golpista ocorrida durante o governo de Jair Bolsonaro.

O primeiro depoimento será do ex-comandante da Marinha Almir Garnier. De acordo com investigações da Polícia Federal (PF), o almirante teria colocado suas tropas à disposição de Bolsonaro para ações golpistas.

A fala do militar teria ocorrido durante reunião realizada em 2022 com os comandantes das Forças Armadas. Durante o encontro, Bolsonaro apresentou estudos para decretação de estado de sítio e de operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em seguida, os demais réus serão interrogados pelo ministro Alexandre de Moraes em ordem alfabética. A audiência está prevista para ser encerrada às 20h.

Confira a ordem dos depoimentos:

Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;

Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal;

Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;

Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;

Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;

Walter Braga Netto, general de Exército e ex-ministro de Bolsonaro.

Primeiro dia

Ontem (9), no primeiro dia de interrogatório, foram ouvidos o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem sobre as acusações de participação na trama.

Cid confirmou que esteve presente em reunião na qual foi apresentado ao ex-presidente Jair Bolsonaro documento que previa a decretação de medidas de estado de sítio e prisão de ministros do STF.

O militar também confirmou que recebeu dinheiro do general Braga Netto para que fosse reado ao major do Exército Rafael de Oliveira, integrante dos kids-pretos, esquadrão de elite da força.

Ramagem negou ter usado o órgão para monitorar ilegalmente a rotina de ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante o governo de Jair Bolsonaro.

Interrogatórios

Até a próxima sexta-feira (13), Alexandre de Moraes vai interrogar presencialmente o ex-presidente Jair Bolsonaro, Braga Netto e mais seis réus acusados de participar do "núcleo crucial" de uma trama para impedir a posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva após o resultado das eleições de 2022.

O interrogatório dos réus é uma das últimas fases da ação penal. A expectativa é de que o julgamento que vai decidir pela condenação ou absolvição do ex-presidente e dos demais réus ocorra no segundo semestre deste ano.

Em caso de condenação, as penas am de 30 anos de prisão.

IME

Agronegócio e construção criticam novo pacote de tributos do governo

Setor é contrário à cobrança de 5% de imposto sobre as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs)

10/06/2025 07h14

Apesar de ter firmado um suposto acordo com Fernando Haddad, o presidente da Câmara, Hugo Motta, não garante aprovação de mudanças

Apesar de ter firmado um suposto acordo com Fernando Haddad, o presidente da Câmara, Hugo Motta, não garante aprovação de mudanças

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O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou nesta segunda-feira, 9, que não há o compromisso do Congresso de aprovar as medidas alternativas ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) apresentadas pelo governo em reunião com parlamentares no domingo.

Depois de quase seis horas de conversas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um acordo para reduzir o impacto da tributação do IOF e compensar a perda de arrecadação com aumento de taxação das bets e outras medidas sobre o sistema financeiro

Essas mudanças devem vir por meio de uma medida provisória, um projeto de lei complementar e, a depender do conteúdo, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

"Não há do Congresso o compromisso de aprovar essas medidas que vêm na MP. A medida provisória será enviada apenas para que, do ponto de vista contábil, não se tenha de aumentar o contingenciamento que já está sendo feito", disse ele, em evento promovido pelos jornais Valor Econômico e O Globo e a rádio CBN.

Parlamentares da base do governo minimizaram a declaração, já que mais setores do Congresso, como a oposição, teriam de ser consultados agora sobre o pacote. Mas alguns grupos já se articulam contra parte das medidas.

Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) reagiu à proposta de cobrança de 5% de imposto sobre as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs).

Atualmente, tanto as LCAs quanto as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) são isentas de IR. "Eles (governo) sabem que (o Congresso) não tem como aceitar isso, sabem que isso é prejudicial para o setor que carrega a nossa economia. Não vamos nos calar", afirmou.

Entidades do mercado imobiliário também se posicionaram contra o fim da isenção das LCIs e alertaram para o encarecimento do crédito imobiliário. Como consequência, o consumidor teria de dar uma entrada maior para a compra de um imóvel.

"Todos nós vemos a grande onda chegando (a piora das contas públicas), mas agora é o momento em que está difícil remar para longe; então, fica a esperança de um acordo entre Congresso e Executivo por medidas estruturantes para manter o arcabouço de pé", disse o analista da área fiscal da Tendências Consultoria, João Leme.

Em nota, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) afirmou que o pacote tem "caráter arrecadatório e de curto prazo", e não resolve "o problema em si, que é estrutural e exige ações coordenadas de curto, médio e longo prazos".

 

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