Uma mulher, que foi separada compulsoriamente da família aos 4 anos porque a mãe tinha hanseníase, receberá pensão vitalícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A decisão, em segundo grau, é da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).
De acordo com os autos do processo, a mulher informou que foi separada da família quando a mãe foi internada no Hospital São Julião, em Campo Grande, por ter hanseníase.
Na época, nos anos 80, a hanseníase era tratada com o isolamento compulsório, tanto em hospitais-colônias como em asilos-colônias, como forma de evitar o contágio. A internação era compulsória, determinada pelas autoridades, e os doentes eram afastados da família, amigos, trabalho e comunidade e havia muito preconceito com os portadores e familiares.
No caso da campo-grandense, ela disse que ficou em um educandário por mais de 10 anos e, no local, sofreu diversas agressões físicas. Além disso, após a morte da mãe, ela ou a sofrer preconceito da sociedade e humilhações.
Dessa forma, ela acionou o Judiciário com base na Lei nº 14.736/2023, que alterou a Lei nº 11.520, de 18 de setembro de 2007 e estabeleceu o pagamento de pensão especial mensal e vitalícia às pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31 de dezembro de 1986.
A 4ª Vara Federal de Campo Grande concedeu o benefício, mas a União e o INSS recorreram ao TRF3.
O INSS sustentou ser parte ilegítima da ação e argumentou falta de documentos que confirmassem a internação. Já o governo federal alegou prescrição e ausência de responsabilidade objetiva do Estado e de probabilidade do direito.
A relatora do caso, desembargadora federal Monica Nobre, considerou as apelantes como partes legítimas para figurarem no polo ivo do processo.
“À União cabe a concessão do benefício e, ao INSS, seu processamento e pagamento, conforme previsão legal”, fundamentou.
A magistrada seguiu o determinado pela lei que prevê a concessão de pensão especial aos filhos de portadores de hanseníase segregados.
“Verifica-se que se materializou a recente intenção do legislador de reparar a questão histórica. Entendo que a novel legislação modifica a visão a respeito do instituto da prescrição”, observou.
Segundo o acórdão, para a obtenção do benefício são necessários dois requisitos cumulativos: a comprovação da enfermidade e o isolamento ou internação compulsória, até dezembro de 1986.
A mulher apresentou prontuário médico e documentos que confirmaram a internação da mãe para tratamento de hanseníase, no Hospital São Julião, entre dezembro de 1963 a junho de 1982, e o encaminhamento da filha ao Educandário Getúlio Vargas, onde permaneceu dos quatro aos 16 anos de idade.
“Ainda que assim não fosse, a jurisprudência das Cortes Regionais se firmou no sentido de que a compulsoriedade da internação é presumida, tendo em vista a política sanitária adotada à época, de repulsa social, que não deixava outra alternativa aos diagnosticados com a doença”, concluiu a magistrada.
Dessa forma, a Nona Turma do TRF3 considerarou que documentos médicos e testemunhos comprovaram que a mulher tem direito à pensão vitalícia.
Lei
A Lei nº 11.520, de 18 de setembro de 2007, alterada pela Lei 14.736/2023, estabeleceu o pagamento de pensão especial mensal e vitalícia às pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios em hospitais-colônia, até 31 de dezembro de 1986.
Dentre as pessoas com direito, estão os filhos que foram separados dos genitores em razão do isolamento ou da internação destes.
A pensão é personalíssima, não sendo transmissível a dependentes e herdeiros.
A concessão da pensão especial depende da comprovação, concomitantemente:
- de que o requerente foi ou é portador da hanseníase;
- do seu isolamento, domiciliar ou em seringais, ou a internação em hospitais-colônia, até 31/12/1986;
- e filhos que foram separados dos genitores em razão do isolamento ou da internação destes.
Para receber a pensão, é preciso apresentar um requerimento específico ao Núcleo da Comissão Interministerial de Avaliação – NCIA. Integrada por representantes dos ministérios da Previdência Social, da Saúde, do Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome e dos Direitos Humanos e Cidadania.
Após a concessão do benefício, o procedimento istrativo é enviado ao INSS para o pagamento da pensão, que tem o valor atualizado anualmente e é paga retroativamente a partir da data de recebimento do requerimento pelo Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Segundo o Ministério, em 2025, o valor da pensão especial é de R$ 2.108,31 por mês.
São Julião
O Hospital São Julião foi originalmente criado para isolar os pacientes com hanseníase, que eram internados de forma compulsória no local. Na época, as pessoas eram afastadas do convívio familiar e, em pouco tempo, o hospital foi relegado ao abandono, transformando-se em um “depósito de doentes”.
As estruturas do Hospital São Julião começam a ficar sólidas a partir de 1969, quando voluntários italianos da Operação Mato Grosso aram a trabalhar no antigo leprosário, como o hospital era conhecido.
Com a ajuda de voluntários, o São Julião se transformou em referência para tratamento da doença na América Latina, além de ser também referência na área oftalmológica.
Hanseníase
A hanseníase é uma doença causada pelo Mycobacterium Leprae que atinge os nervos e se manifesta na pele. É uma doença de tratamento simples, sendo o mais importante o diagnóstico precoce, possibilitando a cura sem sequelas.
Apesar de ser alvo de discriminação e isolamento dos doentes no ado, hoje a doença pode ser tratada e curada sem necessidade de ser retirada do convívio social.