Após sete meses de investigação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (I) das Apostas Esportivas do Senado foi encerrada nesta quinta-feira (12) sem a aprovação do relatório final. Por 4 votos a 3, o parecer apresentado pela relatora, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), foi rejeitado pelos parlamentares.
Com isso, o documento não será encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), frustrando as expectativas de responsabilização criminal de envolvidos com as chamadas "bets".
O relatório pedia o indiciamento de 16 pessoas e empresas por crimes como estelionato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e propaganda enganosa. Entre os nomes citados estavam as influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, além de empresários do setor de apostas, como Fernando de Oliveira Lima (conhecido como Fernandinn OIG) e José Daniel Carvalho Saturnino.
De acordo com o portal Correio Braziliense, a última sessão foi marcada por instabilidade e embates entre senadores. Soraya criticou a baixa participação dos colegas e afirmou que houve esvaziamento deliberado da comissão. “Não quero mais essa prorrogação. Trabalhar nadando contra a maré? Eu não vou continuar me desgastando. Todo mundo aqui foi exposto”, desabafou.
Segundo aliados do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), ele teria rejeitado um novo pedido de prorrogação da I por considerar que houve tempo suficiente para a conclusão dos trabalhos. Também pesaram críticas ao suposto uso político e midiático da comissão.
Apesar da derrota no colegiado, Soraya anunciou que entregará o relatório e as provas reunidas diretamente às autoridades competentes, como o MPF e o Ministério da Fazenda.
Influenciadoras na mira
Conforme relatório, há indícios de que Virgínia Fonseca cometeu crimes ao divulgar apostas em redes sociais por meio de práticas enganosas. Durante depoimento à I, a influenciadora itiu ter simulado ganhos com apostas usando contas falsas, o que, para a relatora, configura estelionato e publicidade enganosa.
O documento também aponta que Virgínia assinou contratos com plataformas de apostas que previam pagamento de até 30% sobre o valor perdido por apostadores que utilizassem seus links de divulgação. Soraya chamou essa prática de “cachê da desgraça alheia”, alegando que há um estímulo abusivo para que influenciadores incentivem seguidores a apostar, inclusive com promessas irreais de lucro.
Em uma das postagens analisadas, a influenciadora dizia: “Está dando muito dinheiro! Uma seguidora entrou no link, botou R$ 20 e ganhou R$ 4 mil, corram é só por R$ 20 e jogar”.
Já Deolane Bezerra é acusada no relatório de estar ligada a uma empresa de apostas não autorizada a operar no Brasil. Embora atualmente não conste como sócia formal da empresa, Soraya afirma que há indícios de que a influenciadora atua nos bastidores, ocultando sua relação com a plataforma por meio de “laranjas”, o que também poderia configurar lavagem de dinheiro.
A relatora ainda destacou que a página da empresa afirmava, falsamente, ter autorização do Ministério da Fazenda para operar, o que configura estelionato.
Relatório
Os jogos on-line de apostas – que hoje financiam boa parte do futebol profissional brasileiro – ainda foram apontados como responsáveis pela redução do consumo das famílias, em especial, das mais pobres, que deixaram de gastar no comércio para perder renda no jogo, com impactos negativos para a economia brasileira.
A I estima que o setor movimentou entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões em 2024, valor que se aproxima do orçamento do Ministério da Educação previsto para 2025 (R$ 187,2 bilhões).
Jogos totalmente virtuais, como os chamados “tigrinho”, “ratinho” e “cobrinha”, foram considerados os mais nocivos, por não estarem vinculados a resultados reais e por utilizarem algoritmos não auditáveis, o que permite manipulação e facilita a lavagem de dinheiro.
Mesmo sem aprovação, o relatório propõe uma série de medidas para coibir abusos e regular o setor de apostas. Entre elas estão:
- regulação mais rígida das apostas on-line, com criação de entidade nacional independente para regular o setor,
- um cadastro nacional de jogadores,
- maior restrição à publicidade das bets e
- responsabilização dos influenciadores que promovem jogos de azar de forma enganosa.
- Estima-se que as bets movimentaram entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões só no ano ado. Apenas para comparação, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) está previsto em R$ 187,2 bilhões em 2025.
Como não é possível auditar o algoritmo usado por essas empresas, o resultado é ível de manipulação, segundo o parecer de Soraya. No relatório, ela pedia a proibição total desse tipo de jogo.
“Dada à facilidade de manipulação dos resultados, também se torna mais fácil a lavagem de dinheiro, considerando que os ganhos podem ser simulados para esquentar o produto de dinheiro oriundo de infrações penais diversas”, completou.
O relatório da I das Bets do Senado faz uma série de recomendações para o Executivo e para o Banco Central, com propostas para maior controle; e para o Legislativo, por meio de propostas de projetos de lei.
Nesse contexto, o relatório final da I defende a criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA).
“Para que o marco legal brasileiro alcance efetividade e responsabilidade social, é imperativo que o Poder Público disponha de instrumentos modernos de monitoramento e fiscalização”, justificou Soraya.
Além da proibição dos jogos totalmente on-line, como o jogo do “tigrinho”, a relatora pede uma regulação mais rígida da propaganda das bets, vedando o direcionamento a menores de 18 anos.
“Publicidades abusivas fazem lavagem cerebral com os consumidores, atingindo até mesmo crianças e adolescentes, com a participação dolosa de influenciadores e outros famosos”, disse a relatora.
Segundo o documento, “os anúncios não podem sugerir que as apostas resolvem problemas financeiros, emocionais ou profissionais, nem as apresentar como alternativa ao emprego ou como forma de recuperar perdas anteriores”.
Confira a lista com todos os pedidos de indiciamento:
- Adélia de Jesus Soares, pelos crimes de lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela é ligada à empresa PlayFlow Processadora de Pagamentos Ltda.
- Daniel Pardim Tavares Gonçalves, pelos crimes de falso testemunho, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele foi preso em flagrante por falso testemunho perante a I e é associado à empresa Peach Blossom Technology Ltd. e à ZeroUmbet Plataforma Digital LTDA através de sua esposa.
- Deolane Bezerra dos Santos, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa . Ela é apontada como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda. e proprietária da Bezerra Publicidade e Comunicação Ltda.
- Ana Beatriz Scipiao Barros, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela consta como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Jair Machado Junior, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele consta como sócio- da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- José Daniel Carvalho Saturnino, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele consta como sócio- da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Leila Pardim Tavares Lima, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela figura como sócia da ZeroUmbet Plataforma Digital Ltda e é esposa de Daniel Pardim Tavares Gonçalves
- Marcella Ferraz de Oliveira, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela consta como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Virgínia Pimenta da Fonseca Serrão Costa, pelos crimes de publicidade enganosa e estelionato. Ela utilizou “contas-demo” em suas publicidades e teve contrato com a Esportes da Sorte que previa remuneração baseada no lucro líquido da plataforma gerado pelos apostadores que ela captou, o que o relatório considera atrelado às perdas dos apostadores.
- Pâmela de Souza Drudi, pelos crimes de publicidade enganosa e de estelionato. Ela teve movimentações financeiras atípicas e incompatíveis com sua renda
- Erlan Ribeiro Lima Oliveira, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele é apontado como sócio e parte de uma estrutura empresarial (OIG Gaming Brazil LTDA) ligada a apostas e com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Fernando de Oliveira Lima, pelos crimes de lavagem de dinheiroe associação criminosa. Ele é apontado como sócio da One Internet Group (OIG) e da OIG Gaming Brazil e parte de uma estrutura empresarial ligada a apostas com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Toni Macedo da Silveira Rodrigues, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele é apontado como da OIG Gaming Brazil Ltda e parte de uma estrutura empresarial ligada a apostas com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Marcus Vinícius Freire de Lima e Silva, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa ou, alternativamente, organização criminosa, bem como para que se verifique a possível existência dos crimes de corrupção ativa e/ou tráfico de influência. Ele é apontado como central em um esquema de movimentação financeira e patrimonial, com indícios de ocultação e integração de recursos.
- Jorge Barbosa Dias, pelos crimes de lavagem de dinheiro. Ele é proprietário da plataforma de apostas MarjoSports e é apontado por indícios de condutas criminosas, movimentação financeira atípica e potencial sonegação fiscal
- Bruno Viana Rodrigues, pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa ou, alternativamente, organização criminosa, e exploração de jogos de azar. Ele é sócio da Brax Pridução e Publicidade Ltda. e é investigado por indícios de movimentação financeira suspeita.