Banhos de gelo e imersões em água fria – práticas que envolvem mergulhar o corpo em água quase congelante – ganharam enorme popularidade nos últimos anos, impulsionadas por podcasters, influenciadores digitais, atletas profissionais e outras personalidades que promovem seus supostos efeitos positivos para a recuperação física e o bem-estar.
Mas será que realmente funcionam? Essa pergunta foi o foco de um novo estudo que investigou a relação entre água gelada e treinamento de resistência. Os pesquisadores concluíram que a imersão em água fria após sessões de levantamento de peso reduz o fluxo sanguíneo para os músculos, prejudicando a recuperação e o crescimento muscular, o que pode comprometer os resultados do treino.
“Parece que não é uma boa ideia” mergulhar em água gelada logo após levantar pesos, afirma Milan Betz, doutorando na Universidade de Maastricht, na Holanda, e principal autor do estudo.
As conclusões se somam a um conjunto crescente de pesquisas que indicam que os banhos de gelo podem interferir negativamente nos efeitos do treinamento de força e levantam dúvidas sobre em que situações, se é que existem, esse tipo de prática é realmente recomendável.
Músculos até 20% menores
Defensores da imersão em água fria alegam que a prática oferece benefícios para o corpo e a mente, incluindo melhora do humor, fortalecimento da disciplina e alívio de dores musculares e rigidez, além de acelerar e intensificar a recuperação pós-exercício.
Contudo, há pouca comprovação científica sólida que sustente essas alegações, e estudos recentes têm frequentemente apresentado resultados contrários.
Um experimento conduzido em 2015, por exemplo, por pesquisadores na Austrália, avaliou 21 homens que praticaram levantamento de peso duas vezes por semana. Metade deles realizou imersão em água fria após os treinos e os demais, não. Após três meses, os músculos dos que aram pelas imersões estavam quase 20% menores e mais fracos em comparação aos dos demais, apesar de todos seguirem a mesma rotina de exercícios.
De forma semelhante, uma revisão publicada em 2024, intitulada de forma irônica “Jogando Água Fria no Crescimento Muscular”, analisou pesquisas anteriores e concluiu que imersões em água fria após o treinamento de resistência tendem a “atenuar mudanças hipertróficas”. Em outras palavras, os músculos crescem menos.
Impacto no fluxo sanguíneo
Mas como a água fria poderia comprometer os efeitos do treino de resistência? Os autores da revisão sugerem que o frio extremo contrai os vasos sanguíneos, o que reduz o fluxo de sangue aos músculos.
O sangue leva nutrientes importantes, como proteínas, que são fundamentais para a reconstrução e o crescimento muscular após exercícios intensos. Menor circulação significa menos nutrientes e uma recuperação comprometida.
Até então, no entanto, nenhum estudo havia demonstrado esse mecanismo diretamente.
Betz e sua equipe quiseram observar de forma prática como o fluxo sanguíneo reagia após um banho de gelo. Para isso, recrutaram 12 jovens saudáveis e utilizaram equipamentos portáteis de ultrassom para medir o fluxo sanguíneo basal nas pernas enquanto descansavam.
Em seguida, os voluntários realizaram exercícios intensos de leg press e extensão de pernas. Logo após o treino, posicionaram-se em um equipamento semelhante a uma bicicleta, no qual os pedais foram substituídos por baldes: um com água morna (27°C) e o outro com água gelada (-1°C). Cada voluntário imergiu uma perna em cada balde, mantendo-se assim por 20 minutos.
Depois disso, ingeriram um shake de recuperação com proteínas marcadas por rastreadores bioquímicos, que permitiram aos pesquisadores acompanhar se essas moléculas estavam sendo absorvidas pelos músculos. O fluxo sanguíneo também foi monitorado diversas vezes ao longo das horas seguintes.
Imersões em água fria podem reduzir os efeitos do treino
Os dados revelaram que o fluxo sanguíneo diminuiu de forma significativa na perna exposta à água gelada, permanecendo reduzido por várias horas. Como consequência, os músculos dessa perna absorveram menos proteína do shake de recuperação. Com o tempo, essa menor absorção pode resultar em ganhos inferiores de massa e força muscular.
Esses resultados oferecem evidência adicional de que as imersões em água fria podem reduzir os efeitos esperados do treinamento com pesos, ao limitar tanto o fluxo de sangue quanto a absorção de proteínas, segundo Brad Schoenfeld, pesquisador do Lehman College, em Nova York, especialista em treinamento de resistência e coautor da revisão de 2024.
Apesar disso, os pesquisadores destacam que este foi apenas um estudo de pequena escala e muitas dúvidas permanecem. A imersão em água gelada teria o mesmo impacto sobre outros tipos de exercício? “Acredito que os efeitos seriam semelhantes em esportes como corrida, ciclismo e modalidades coletivas”, diz Betz.
Também não se sabe se os resultados se aplicam a mulheres ou pessoas mais velhas, já que esses grupos não foram analisados neste experimento. Betz acredita que os efeitos tendem a ser parecidos, mas reforça que novas pesquisas são necessárias para confirmar essa hipótese.
Outro ponto em aberto é a influência de variáveis como o momento da imersão, sua duração, a parte do corpo submersa e a temperatura exata da água, de acordo com Denis Blondin, professor da Universidade de Sherbrooke, no Canadá, especialista em Metabolismo e Exposição ao Frio. Blondin não participou do novo estudo.
Segundo ele, tomar um banho de gelo algumas horas após o treino, em vez de imediatamente, pode produzir efeitos diferentes, assim como alterar o tempo de imersão ou a profundidade corporal. Mais estudos em larga escala são necessários para esclarecer essas questões.
Além disso, algumas pessoas utilizam os banhos de gelo por razões que não estão relacionadas à recuperação muscular, como para se sentirem emocionalmente mais fortes ou mais resistentes a desconfortos. O estudo não avaliou efeitos psicológicos da prática, observa Betz.
Segundo ele, se alguém encontra benefício subjetivo na imersão, “não há razão para abandonar o hábito”.
No entanto, para quem busca ganhos máximos com o treinamento de resistência, o conjunto de evidências mais recentes, incluindo este novo estudo, indica que provavelmente é melhor evitar o banho de gelo logo após o treino.