Série produzida por Guy Ritchie, narra a luta entre duas famílias criminosas em Londres, combinando drama e violência.
Terra da Máfia – ou Mobland no original – pode ser resumida como um Landman no submundo criminoso britânico. E, assim como a série (também da Paramount+) conta com o carisma de sua estrela, Billy Bob Throrton, aqui também é o talento e personalidade únicos de Tom Hardy que faz da série algo que vale ser conferido.
Dirigida e produzida por Guy Ritchie (em dois episódios), Terra da Máfia não chega a ser uma Peaky Blinders e nem mesmo mantém o estilo- de Ritchie de ritmo acelerado, momentos clipados e humor em cenas incômodas e violentas.
Não, aqui a história segue um ritmo de mão firme, mas em prol do drama. O que é obvio que se trata de uma produção do diretor é a presença de grandes estrelas do cinema inglês, e, especialmente, a envolvente, convincente e inegavelmente empática de Tom Hardy em um veículo perfeito para ele.
Em meio à proliferação de séries sobre famílias criminosas e códigos de lealdade no submundo, Terra da Máfia surge com pedigree de peso e pretensões ousadas.
Criada e roteirizada por Ronan Bennett, criador da elogiada Top Boy e também responsável por roteiros em filmes como Public Enemies (2009), o projeto, que inicialmente seria um spin-off da série Ray Donovan, da Showtime, acabou se transformando numa obra autônoma, mantendo, no entanto, muitos dos elementos dramáticos e estruturais que tornaram Ray Donovan um marco do drama criminal televisivo.
A gênese de Terra da Máfia a justamente por esse elo com Ray Donovan. O roteirista David Hollander, que trabalhou como showrunner em Ray Donovan (e dirigiu diversos episódios da série, incluindo o filme derivado de 2022), colaborou no projeto inicial ao lado de Bennett, antes da produção ser reconfigurada para um público britânico.
O que sobrevive dessa influência é o arquétipo do “fixer”, o homem que opera nos bastidores para apagar incêndios da elite criminosa — uma figura que, em Ray Donovan, foi imortalizada por Liev Schreiber como o problemático Ray; e que aqui ganha nova roupagem com Tom Hardy como Harry Da Souza, um homem fiel à sua família adotiva — os Harrigans — mas cuja lealdade será testada até os limites morais.
A trama se desenrola em Londres, onde duas famílias criminosas, os Harrigans e os Stevensons, disputam território, honra e legado. Os Harrigans são liderados por Conrad (Pierce Brosnan), um patriarca que combina pragmatismo e brutalidade com uma aparência aristocrática. Sua esposa, Maeve (Helen Mirren), não é apenas decorativa: ela exerce influência discreta e incisiva nos bastidores, uma Lady Macbeth dos becos londrinos.
Kevin Harrigan (Paddy Considine), o herdeiro problemático, vive às sombras da figura paterna, enquanto o neto Eddie (Anson Boon) se envolve em um episódio violento com o jovem Tommy Stevenson — um incidente que coloca as famílias à beira da guerra. Cabe a Harry Da Souza, braço-direito dos Harrigans, apagar o incêndio com a discrição e a frieza que o cargo exige, mesmo que isso o obrigue a enfrentar fantasmas pessoais e comprometer o frágil equilíbrio de sua própria família.
O personagem de Tom Hardy é a espinha dorsal da narrativa. Em Harry, há ecos do Ray Donovan original: a figura do homem endurecido pela vida, envolto em uma aura de silêncio e violência contida, que tenta proteger a família mesmo que precise destruir outras. Hardy entrega uma atuação calibrada, mais contida do que suas performances explosivas em filmes como Venom, e isso é parte do mérito da direção de Ritchie nos episódios iniciais.
A trilha sonora, assinada por Matt Bellamy (vocalista do Muse) e Ilan Eshkeri, ajuda a criar uma atmosfera intensa, quase operática em alguns momentos, acentuando o drama familiar que se sobrepõe ao crime. A estética é urbana e crua, refletindo as tensões contemporâneas de uma Londres que se moderniza à força, mas onde os códigos de sangue e lealdade continuam a ditar as regras.
Apesar do elenco estelar e da ambientação sofisticada, Terra da Máfia enfrentou percalços durante a produção. A empresa Helix 3D, responsável pela construção dos cenários, faliu durante as filmagens, deixando técnicos e operários sem pagamento. Tom Hardy, em gesto solidário, chegou a se oferecer para cobrir os salários da equipe, mas os estúdios acabaram assumindo essa responsabilidade.
Para completar, houve um roubo de equipamentos no set em Londres, o que atrasou parte das filmagens. Esses bastidores conturbados contrastam com a aura de controle e poder dos personagens na tela — uma ironia que não ou despercebida à mídia britânica.
Na recepção crítica, Terra da Máfia dividiu opiniões. O Rotten Tomatoes aponta uma taxa de aprovação de 76%, com elogios à performance de Hardy e à ambientação sombria, enquanto o Metacritic registra uma média de 59, revelando avaliações mais mornas.
Muitos críticos destacaram o excesso de subtramas e um ritmo que, por vezes, se arrasta, especialmente nos episódios intermediários. O sotaque irlandês adotado por Pierce Brosnan também foi alvo de piadas nas redes sociais e reviews. Ainda assim, há consenso de que o projeto é ambicioso e que a densidade emocional da série compensa algumas irregularidades narrativas.
Aqui vai minha decepção justamente com o casal principal: tanto Pierce Brosnan e mais ainda Helen Mirren estão uns três tons acima do resto do elenco, quase caricaturais e contrastam com o brilhantismo tanto de Hardy como do maravilhoso Paddy Considine, que ganhou fama mundial por sua interpretação precisa e impactante de House of the Dragon (esnobada injustamente nas premiações) e aqui, novamente, traz complexidade à um homem que tem aparência ocasionalmente “fraca” diante da psicopatia dos que o cercam.
Anson Boon, que ainda é para mim Johnny Rotten de Pistol, é o rebelde e inconsequente Eddie, que deflagra a guerra de famílias criminosas em Londres e que despreza seu pai, Kevin (Considine), com total apoio de sua avó, Maeve (Mirren). Essa relação tóxica – e trágica – vem do que Maeve gosta de chamar “verdadeiros Harrigans”, mas que são uma mescla de psicopatia e frustração.
Maeve manipula o marido que é – para ela – “fraco”. Kevin é como o pai, mas ao identificar Eddie como ela, a verdade a matriarca só está usando uma arma que manipula para seu próprio desejo de violência. Se a série vai sobreviver até vermos ela perceber que Eddie não é controlável, teremos que esperar. Mas essa narrativa é justamente o coração dramático dos primeiros episódios e se Helen Mirren não estivesse tão forçada como Lady Macbeth seria bem interessante.
A química de amizade e cumplicidade de Paddy Considine e Tom Hardy, por outro lado, é sensacional. Pequenos flashbacks sugerem que os amigos superaram traumas de adolescência juntos e embora esteja sempre contido e falando manso, sabemos (graças à Hardy), o quanto perigoso e astuto Harry realmente é. Seu vínculo, no entanto, é com Kevin, não exatamente com os Harrigans. Uma vez perdido, que lado ele vai escolher?
Terrra da Máfia talvez não redefina o gênero do drama criminal, mas representa um ponto de encontro interessante entre o estilo pop noir de Guy Ritchie, o realismo social de Ronan Bennett e a mitologia clássica dos “homens difíceis” herdada de Ray Donovan.
Com atuações sólidas, temas densos e um pano de fundo de conflitos intergeracionais, a série se posiciona como um novo capítulo na tradição das famílias disfuncionais da ficção — onde o sangue, no fim das contas, nunca é apenas simbólico.