Parecer de Soraya Thronicke pedia indiciamento de 16 pessoas, entre elas influenciadoras e empresários do setor de apostas
Pela primeira vez em dez anos, o relatório final de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (I) foi rejeitado no Senado Federal. O parecer da I das Apostas Esportivas, apresentado pela senadora sul-mato-grossense Soraya Thronicke (Podemos-MS), foi reprovado por 4 votos a 3 nesta quinta-feira (12), encerrando os trabalhos da comissão sem responsabilização dos investigados.
A decisão impede o envio formal do relatório ao Ministério Público Federal (MPF), o que frustra a expectativa de abertura de investigações criminais contra influenciadores, empresários e plataformas de apostas esportivas.
O relatório pedia o indiciamento de 16 pessoas e empresas por crimes como estelionato, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e propaganda enganosa. Entre os nomes citados estavam as influenciadoras digitais Virgínia Fonseca e Deolane Bezerra, além de empresários do setor de apostas, como Fernando de Oliveira Lima (conhecido como Fernandinn OIG) e José Daniel Carvalho Saturnino.
Segundo a senadora, Virgínia usou contas falsas para simular ganhos com apostas e firmou contrato que previa comissão sobre as perdas de seguidores que apostassem usando seu link de divulgação. Já Deolane teria atuado como sócia oculta de uma casa de apostas ilegal, usando laranjas para esconder a relação.
Em suas redes sociais, a parlamentar declarou:
"Foram meses de trabalho intenso, com minha equipe e a consultoria do Senado mergulhados nessa investigação.
Encontramos crimes, identificamos os envolvidos e escancaramos as falhas da legislação que permitiram que as bets se espalhassem pelo Brasil sem controle.
Fiz a minha parte! Não vou engavetar provas, nem esconder informações. Tudo será entregue aos órgãos competentes.
Porque omissão não faz parte da minha história.
Além disso, vou apresentar os projetos de lei destacados no relatório. O Brasil precisa urgentemente de regras claras para proteger o cidadão comum. Os tempos mudaram, os riscos aumentaram — e a legislação precisa acompanhar essa realidade.
Sigo firme. Pelo povo. Pela verdade. Pela justiça".
Sessão marcada por embates
A última sessão da I foi marcada por embates e acusações. Soraya criticou o que classificou como “esvaziamento deliberado” por parte de senadores e afirmou não haver mais condições para continuar com os trabalhos.
“Trabalhar nadando contra a maré? Eu não vou continuar me desgastando. Todo mundo aqui foi exposto”, declarou.
Nos bastidores, aliados do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), afirmam que o pedido de prorrogação da comissão foi negado porque já havia tempo suficiente para concluir as investigações. Também pesaram críticas ao suposto uso político e midiático da I.
Relatório
Os jogos on-line de apostas – que hoje financiam boa parte do futebol profissional brasileiro – ainda foram apontados como responsáveis pela redução do consumo das famílias, em especial, das mais pobres, que deixaram de gastar no comércio para perder renda no jogo, com impactos negativos para a economia brasileira.
A I estima que o setor movimentou entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões em 2024, valor que se aproxima do orçamento do Ministério da Educação previsto para 2025 (R$ 187,2 bilhões).
Jogos totalmente virtuais, como os chamados “tigrinho”, “ratinho” e “cobrinha”, foram considerados os mais nocivos, por não estarem vinculados a resultados reais e por utilizarem algoritmos não auditáveis, o que permite manipulação e facilita a lavagem de dinheiro.
Mesmo sem aprovação, o relatório propõe uma série de medidas para coibir abusos e regular o setor de apostas. Entre elas estão:
- regulação mais rígida das apostas on-line, com criação de entidade nacional independente para regular o setor,
- um cadastro nacional de jogadores,
- maior restrição à publicidade das bets e
- responsabilização dos influenciadores que promovem jogos de azar de forma enganosa.
- Estima-se que as bets movimentaram entre R$ 89 bilhões e R$ 129 bilhões só no ano ado. Apenas para comparação, o orçamento do Ministério da Educação (MEC) está previsto em R$ 187,2 bilhões em 2025.
Como não é possível auditar o algoritmo usado por essas empresas, o resultado é ível de manipulação, segundo o parecer de Soraya. No relatório, ela pedia a proibição total desse tipo de jogo.
“Dada à facilidade de manipulação dos resultados, também se torna mais fácil a lavagem de dinheiro, considerando que os ganhos podem ser simulados para esquentar o produto de dinheiro oriundo de infrações penais diversas”, completou.
O relatório da I das Bets do Senado faz uma série de recomendações para o Executivo e para o Banco Central, com propostas para maior controle; e para o Legislativo, por meio de propostas de projetos de lei.
Nesse contexto, o relatório final da I defende a criação da Plataforma Nacional de Auditoria e Monitoramento de Jogos de Azar (PNAMJA).
“Para que o marco legal brasileiro alcance efetividade e responsabilidade social, é imperativo que o Poder Público disponha de instrumentos modernos de monitoramento e fiscalização”, justificou Soraya.
Além da proibição dos jogos totalmente on-line, como o jogo do “tigrinho”, a relatora pede uma regulação mais rígida da propaganda das bets, vedando o direcionamento a menores de 18 anos.
“Publicidades abusivas fazem lavagem cerebral com os consumidores, atingindo até mesmo crianças e adolescentes, com a participação dolosa de influenciadores e outros famosos”, disse a relatora.
Segundo o documento, “os anúncios não podem sugerir que as apostas resolvem problemas financeiros, emocionais ou profissionais, nem as apresentar como alternativa ao emprego ou como forma de recuperar perdas anteriores”.
Confira a lista com todos os pedidos de indiciamento:
- Adélia de Jesus Soares, pelos crimes de lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela é ligada à empresa PlayFlow Processadora de Pagamentos Ltda.
- Daniel Pardim Tavares Gonçalves, pelos crimes de falso testemunho, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele foi preso em flagrante por falso testemunho perante a I e é associado à empresa Peach Blossom Technology Ltd. e à ZeroUmbet Plataforma Digital LTDA através de sua esposa.
- Deolane Bezerra dos Santos, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa . Ela é apontada como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda. e proprietária da Bezerra Publicidade e Comunicação Ltda.
- Ana Beatriz Scipiao Barros, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela consta como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Jair Machado Junior, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele consta como sócio- da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- José Daniel Carvalho Saturnino, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ele consta como sócio- da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Leila Pardim Tavares Lima, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela figura como sócia da ZeroUmbet Plataforma Digital Ltda e é esposa de Daniel Pardim Tavares Gonçalves
- Marcella Ferraz de Oliveira, pelas contravenções penais de jogo de azar e loteria não autorizada e pelos crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e integração de organização criminosa. Ela consta como sócia-a da Zeroumbet Plataforma Digital Ltda.
- Virgínia Pimenta da Fonseca Serrão Costa, pelos crimes de publicidade enganosa e estelionato. Ela utilizou “contas-demo” em suas publicidades e teve contrato com a Esportes da Sorte que previa remuneração baseada no lucro líquido da plataforma gerado pelos apostadores que ela captou, o que o relatório considera atrelado às perdas dos apostadores.
- Pâmela de Souza Drudi, pelos crimes de publicidade enganosa e de estelionato. Ela teve movimentações financeiras atípicas e incompatíveis com sua renda
- Erlan Ribeiro Lima Oliveira, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele é apontado como sócio e parte de uma estrutura empresarial (OIG Gaming Brazil LTDA) ligada a apostas e com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Fernando de Oliveira Lima, pelos crimes de lavagem de dinheiroe associação criminosa. Ele é apontado como sócio da One Internet Group (OIG) e da OIG Gaming Brazil e parte de uma estrutura empresarial ligada a apostas com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Toni Macedo da Silveira Rodrigues, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Ele é apontado como da OIG Gaming Brazil Ltda e parte de uma estrutura empresarial ligada a apostas com indícios de ato simulado, movimentação atípica e lavagem de dinheiro
- Marcus Vinícius Freire de Lima e Silva, pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa ou, alternativamente, organização criminosa, bem como para que se verifique a possível existência dos crimes de corrupção ativa e/ou tráfico de influência. Ele é apontado como central em um esquema de movimentação financeira e patrimonial, com indícios de ocultação e integração de recursos.
- Jorge Barbosa Dias, pelos crimes de lavagem de dinheiro. Ele é proprietário da plataforma de apostas MarjoSports e é apontado por indícios de condutas criminosas, movimentação financeira atípica e potencial sonegação fiscal
- Bruno Viana Rodrigues, pelos crimes de lavagem de dinheiro, associação criminosa ou, alternativamente, organização criminosa, e exploração de jogos de azar. Ele é sócio da Brax Pridução e Publicidade Ltda. e é investigado por indícios de movimentação financeira suspeita.